O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) deu o pontapé de partida na candidatura da deputada Tabata Amaral à prefeitura de São Paulo. Houve quem estranhasse porque o candidato do presidente Lula para esta praça é Guilherme Boulos. No entanto, quem se dispuser a um exercício de regressão na política brasileira, verá que isso não é absurdo como pode parecer. Considerando-se que a Constituição promulgada em 1988 é de inspiração parlamentarista – e só não temos esse sistema de governo porque o presidencialismo venceu o plebiscito – e que para conseguir governar os sucessivos presidentes tiveram de buscar socorro em diferentes partidos de c entro ou oposição, não é difícil concluir que temos não é o parlamentarismo no sentido clássico, mas governos de coalizão, loteados para poder funcionar. O dito Centrão, parceiro de todos os governos das últimas décadas, só existe na razão direta dessa realidade.
Quando vemos o presidente da República abrindo o cofre e lançando ao vento emendas para os parlamentares aplicarem em seus currais eleitorais, devemos compreender que isso é feito não por vontade do governante, mas pela impossibilidade de se fazer de outro jeito. O que falta, na melhor das definições que encontramos, é admitir que o Brasil de hoje só é governado em coalizão e que ela tem de ser feita com a atração dos partidos que posseum votos no Parlamento. Todos os governantes certamente gostariam de governar sozinhos, com plenos poderes, mas isso é impossível diante da estrutura parlamentarista que parametra a máquina política nacional. Todos os governantes tiveram de a ela se submetar e os que não agradaram não conseguiram chegar ao fim do seu tempo de mandato. Fernando Collor e Dilma Rousseff sofreram impeachment. Michel Temer, embora pudesse, não ousou candidatar-se à reeleição, e Jair Bolsonaro, mesmo tendo negociado com os outrora oposicionistas, não conseguiu acessar o segundo período que a lei lhe facultava e, de quebra, sofre retaliações.
Somos levados a admitir que embora tenham garantido o rótulo de democrático, os governos do período deixaram muitos pontos de interrogação que embaralham a vida política do País. A nossa sui-generis democracia convive com leis criadas para favorecer quem está no poder e evitar que seus adversários o conquiste (a reeleição para cargos executivos, por exemplo) e com a judicialização da política e os inconvenientes avanços do Poder Judiciário sobre as atribuições do Legislativo e Executivo, etc. É por isso que necessitamos da reforma política que – temos de admitir – será difícil de vir a contento porque quem &eac ute; encarregado de promovê-la é a classe política que, antes de cuidar da Nação, cuida dos próprios interesses e, sempre que possível, de se eternizar no poder.
Então, ter Lula e Alckmin – que fazem o mesmo governo em Brasilia – em palanques diferentes em São Paulo e em outros pontos do País não é algo estranhável. Estão apenas jogando o jogo estabelecido pela legislação que estrutura a política nacional. A união dos dois é a prova mais cabal de coalizão. Tanto que foi difícil para os dois lados aceitarem a parceria depois de tudo o que, no Passado, um falou do outro. Mas deu certo. Agora, o que o País precisa é aclarar o formato que se emprega para fazer política. Coalizão faz a gênese do regime parlamentarista. Não emplacado o parlamentarismo preconizado pela Constituição, o que se desenvolveu é algo que se pode chamar de “parlamentarismo branco”. Todos os governantes tiveram de buscar parcerias na oposição e não é só na política nacional. Ocorre também na estadual e na municipal.
A essa altura, com tudo o que rolou nos bastidores políticos durante os 35 anos de vigência da Constituição parlamentarista, o bom seria rasgar a fantasia do presidencialismo, tentando novamente emplacar o parlamentarismo ou, pelo menos, admitindo alto e bom som que ninguém governa sem cooptar e amarrar seus tentáculos na âncora dos oposicionistas. Geraldo Alckmin sabe disso. Tanto que se uniu a Lula para continuar servindo ao Brasil e, agora, não pestaneja ao apoiar sua correligionária, mesmo que o candidato do presidente seja outro. Nova forma de se fazer política…
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
aspomilpm@terra.com.br