
Imprensa TCPR
Os consórcios públicos prestadores de serviços de saúde podem contratar equipes técnicas por meio de credenciamento, em caráter complementar, conforme disposição do artigo 24 da Lei nº 8.080/90 (Lei do Sistema Único de Saúde – SUS), quando seu quadro de pessoal for insuficiente para o atendimento da demanda e desde que seja demonstrada a impossibilidade de ampliação.
A regra vale para consórcios de personalidade jurídica de direito público ou privado. Para tanto, o gestor deve observar os parâmetros e requisitos estabelecidos pela Portaria nº 2.567/2016 do Ministério da Saúde (MS) e pela Lei nº 14.333/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos).
Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Consórcio Público Intermunicipal de Saúde do Setentrião Paranaense (Cisamusep), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de os consórcios públicos executarem as obrigações decorrentes de convênios por meio da contratação de profissionais via credenciamento autorizado por chamamento público.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que o Tribunal já decidira anteriormente pela possibilidade de credenciamento para contratação de serviços médicos. A unidade técnica ressaltou que os consórcios públicos podem executar as obrigações decorrentes de convênios por meio da contratação de profissionais via credenciamento, em caráter complementar, quando o quadro funcional for insuficiente para atender a demanda, desde que seja comprovada a impossibilidade de ampliação.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica. O órgão ministerial reforçou que a regra vale para consórcios de personalidade jurídica de direito público ou privado; e que, para tanto, o gestor deve observar os parâmetros e requisitos estabelecidos pela Portaria nº 2.567/2016 do MS e pela Lei nº 14.333/21
Legislação e jurisprudência
O inciso II do artigo 37 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei, de livre nomeação e exoneração.
O artigo 196 da CF/88 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo 199 da CF/88 expressa que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada; e o seu parágrafo 1º fixa que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do SUS, segundo suas diretrizes, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
O artigo 24 da Lei do SUS dispõe que, quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada; e, em seu parágrafo único, fixa que a participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
O inciso I do artigo 79 da Nova Lei de Licitações e Contratos dispõe que o credenciamento poderá ser usado na hipótese de contratação paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas. O parágrafo único desse artigo destaca que os procedimentos de credenciamento serão definidos em regulamento; e define as regras que devem ser observadas.
O artigo 3º da Portaria nº 2.567/2016 do Ministério da Saúde, que regulamenta a participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde e o credenciamento de prestadores de serviços de saúde no SUS, estabelece que, nas hipóteses em que a oferta de ações e serviços de saúde públicos próprios forem insuficientes e comprovada a impossibilidade de ampliação para garantir a cobertura assistencial à população de um determinado território, o gestor competente poderá recorrer aos serviços de saúde ofertados pela iniciativa privada.
A Resolução nº 5.351/04 do TCE-PR (Consulta nº 127911/03) balizou os requisitos objetivos que devem ser observados no procedimento de credenciamento: observância às normas legais do SUS e da própria Lei de Licitações; cabe ao administrador local do SUS todas as atribuições conferidas pela Constituição, podendo credenciar médicos e unidades de saúde, independentemente de licitação, nos moldes do SUS; a dificuldade da administração em prestar um serviço de saúde não pode servir de motivo para a transgressão de dispositivos constitucionais; a aplicação da Lei de Licitações é acessória, pois o mais pertinente seria tratar do concurso público para a investidura de cargos públicos; e o credenciamento não pode ser tratado como regra, mas ser adotado em caráter suplementar, após a realização de concurso público.
O Acórdão nº 1633/08 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 408048/08) expressa que é possível a realização de credenciamento de clínicas médicas especializadas para atendimento médico diretamente à população, nos termos da Lei 8.666/93. Mas destaca que tal medida deve ser adotada em caráter suplementar; e que, quanto ao credenciamento, devem ser observados os valores da tabela do SUS.
O Acórdão nº 549/11 – Tribunal Pleno do TCE-PR, que tem força normativa, entendeu possível a contratação de empresa privada, ainda que seus sócios sejam servidores da entidade contratante, desde que o contratante motive seu ato e que o contrato contenha cláusulas uniformes; que inexistam outras empresas no mercado que possam oferecer o serviço pretendido e cujos sócios não são servidores estaduais, por se tratar de serviço público que deve estar disponível a todos. E, havendo mais de uma empresa nesta situação, seja realizado o procedimento licitatório, ou, sendo fornecedora única, utilize-se da inexigibilidade de licitação, precedida de processo administrativo.
O Acórdão nº 1467/16 – Tribunal Pleno (Consulta nº 1124148/14), também com força normativa, reafirmou a utilização do credenciamento como forma complementar de contratação de prestadores de serviços de saúde. O documento expressa que “é ilícito o credenciamento de prestadores de serviços de saúde – pessoas físicas e jurídicas – para atendimento dos usuários de consórcio intermunicipal, em seus próprios consultórios ou clínicas, sem a necessidade de cumprimento de jornada de trabalho e cuja remuneração se faz pelos serviços ou procedimentos efetivamente realizados, de acordo com tabela de valores devidamente publicada e vinculada ao chamamento público correspondente, de forma complementar e devidamente justificada, desde que observados os requisitos fixados na Resolução nº 5.351/04 desta Corte, sendo vedadas exclusões de quaisquer interessados que preencham os requisitos previstos no chamamento.”
O Acórdão nº 201/20 – Tribunal Pleno, também vinculante, acrescentou a possibilidade de utilização, em hipótese excepcional, do procedimento de credenciamento previsto na Portaria nº 2.567/2016 do MS. O documento fixa que excepcionalmente à vedação do artigo 9º, III, da Lei nº 8.666/93, é possível a contratação de servidores municipais ocupantes do cargo de médico para a realização de plantões ou sobreavisos junto a entidades municipais de saúde, inclusive mediante empresa terceirizada, desde que atendidos os requisitos estabelecidos pelo Acórdão nº 549/11 – Tribunal Pleno.
A decisão mais recente, o Acórdão nº 3733/20 – Tribunal Pleno, também com força normativa, fixou que é possível a contratação de pessoas físicas e jurídicas, via credenciamento público, para a prestação de serviço médico junto ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), em caráter complementar, quando o quadro funcional for insuficiente para atender a demanda e for comprovada a impossibilidade de sua ampliação.
Ainda de acordo com esse último acórdão, também pode ser realizada a contratação de profissionais para a prestação de serviços médicos junto ao Samu na ausência do cargo de médico no quadro próprio de servidores, de forma excepcional, conforme previsão do artigo 37, II, da Constituição Federal. Isso não exime os gestores das responsabilidades pela ausência do profissional no quadro de pessoal.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, lembrou que, em regra, os serviços públicos de saúde devem ser prestados de maneira direta, mediante a estrutura e corpo de pessoal próprios dos órgãos e entes públicos. Mas ele afirmou, contudo, que a Constituição Federal permite a participação complementar da iniciativa privada no âmbito do SUS, conforme disposição do parágrafo 1º do seu artigo 199.
Bonilha ressaltou que a Lei 8.080/90 esclarece que a participação suplementar poderá ocorrer quando a estrutura própria do SUS for insuficiente. Assim, ele entendeu que é admissível a participação complementar com caráter subsidiário. Mas salientou que os consórcios públicos da área de saúde, sejam de personalidade jurídica de direito público ou privado, devem submeter-se aos mesmos princípios, diretrizes e normas que regulam o SUS.
O conselheiro frisou que o TCE-PR já se manifestou pela possibilidade de os consórcios públicos contratarem prestadores de serviços de saúde por meio de credenciamento. Ele destacou que o Tribunal já expressou o entendimento pela possibilidade de contratação de serviços médicos em caráter complementar por meio de chamamento público.
Portanto, Bonilha concluiu que a utilização do credenciamento serve para suprir deficiência de pessoal e constitui medida excepcional. Ele lembrou que o TCE-PR já balizou os requisitos que devem ser atendidos no procedimento, nos termos da Resolução nº 5.351/04; que a participação complementar da iniciativa privada nos serviços de saúde e o credenciamento são regulamentados pelo MS, por meio da Portaria nº 2.567/16; e que o credenciamento deve ser realizado com observância às regras dispostas na Nova Lei de Licitações e Contratos.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão ordinária nº 24/22 do Tribunal Pleno do TCE-PR, realizada por videoconferência em 31 de agosto. O Acórdão nº 1727/22 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 5 de setembro, na edição nº 2.829 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 19 de setembro.