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Free flow: vem por aí o pedágio urbano?

Luiz Claudio Romanelli

É extremamente preocupante a forma evasiva que a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) tem tratado o pedido de reavaliação na utilização da cobrança das tarifas pelo sistema de livre passagem, conhecido como free flow, em áreas urbanas e conurbadas das rodovias do Paraná. O free flow é uma solução tecnológica e inovadora na cobrança de tarifas nas concessões rodoviárias. A adoção é prevista nos atuais contratos de concessão e muda a forma de cobrança ou do pagamento do pedágio.

Com a instalação de pórticos free flow, as atuais praças físicas no Paraná seriam substituídas ao longo dos trechos da rodovia e o usuário passaria a pagar de acordo com a quilometragem que percorreu. Este modelo está sendo testado (simulado) na BR-277 próximo a praça de São Luiz do Purunã e na Rodovia Tamoios, ligação da cidade de São Paulo com o litoral paulista, e na Rodovia Rio-Santos, no trecho entre a capital fluminense e a cidade de Paraty (RJ).

A dúvida que a ANTT ainda não esclareceu: sobre o free flow no Paraná é se esse sistema pode ser implantado também em áreas urbanas, em contornos de acesso às cidades (que na prática são avenidas) ou em ainda áreas conurbadas? Esta situação não é incomum nem peculiar. Historicamente, na construção das rodovias paranaenses, por exemplo, as cidades se formaram e cresceram em seu entorno, o que faz que estes trechos, obviamente, tenham um grande fluxo de tráfego local.

Um exemplo claro, repercutido pelos prefeitos do norte e noroeste do Paraná, está na ligação da BR-369 entre Cambé e Maringá. “Vejamos um exemplo de cálculo no Paraná: com a cobrança de R$ 0,20 por quilômetro rodado, a distância de 18,5 km entre Sarandi e o Aeroporto de Maringá terá um custo total de R$ 3,70. Esse valor pode representar um impacto significativo, especialmente para os moradores locais que utilizam essas vias diariamente e várias vezes ao dia para acessar serviços essenciais”, consideramos eu e os deputados Tercílio Turini (MDB) e Evandro Araújo (PSD) no ofício que enviamos à agência nacional de transporte.

Nesta e outras tantas situações, a implantação de free flow no Paraná será muito injusta à população local, impactada com pagamento de tarifa de pedágio para a manutenção na rodovia e para as obras de ampliação e melhorias. Quem não pagar as tarifas por este novo sistema – que poderá ser feito pela leitura das placas dos veículos – vai ainda cometer uma grave infração de trânsito, com penalidades e multas, de acordo com o artigo 209 do Código Nacional de Trânsito.

Na carta enviada à ANTT, alertamos que este sistema, se não estabelecer critérios diferenciados em trechos urbanos, causará enormes prejuízos à população local e de municípios de regiões conurbadas. Os trechos urbanos e conurbados não são utilizados apenas por motoristas em trânsito intermunicipal, mas principalmente por moradores que dependem dessas vias para acessar serviços básicos, como saúde, educação, trabalho, lazer etc.

Esse é um tema bem complexo e até agora a ANTT não conseguiu explicar se o sistema vai alcançar ou não as áreas urbanas. No entanto, a resposta da agência reguladora para a imprensa aponta para um caminho sem volta na descentralização das praças físicas e a instalação de pórticos (pedágio eletrônico) próximos aos municípios de perfil metropolitano ou conurbado, o que será muito prejudicial e danoso para a economia das cidades e do país.

A ANTT afirmou textualmente: “Os contratos rodoviários federais seguem a legislação e política pública do governo federal, conforme previsto pela Lei 9.074. A legislação estabelece a isenção em pedágios de concessões federais para categorias específicas, incluindo motocicletas, motonetas, bicicletas moto, ambulâncias, veículos oficiais e do corpo diplomático. Nesse contexto, a agência é limitada à legislação, não podendo conceder isenções que não estão previstas em lei ou em decisões de política pública. Além disso, a concessão de isenções tarifárias para grupos regionais específicos poderia causar desequilíbrio contratual, resultando no aumento da tarifa para os demais usuários das rodovias”. O que, convenhamos, é uma barbaridade.

Ao lavar as mãos, a agência faz o jogo da ganância e da perversidade. Pouco importa os locais e/ou regionais, ou seja, os moradores de uma cidade que vai até outra cidade para trabalhar, estudar ou tratar de saúde. O mais importante mesmo é não quebrar o contrato mesmo que isso signifique mais sangria no bolso, o aviltamento da vida e o comprometimento de atividades econômicas, comerciais, laborais, estudantis, entre outras.

A desfaçatez pode ser maior e exemplificada recentemente quando o BNDES anunciou R$ 6,3 bilhões de créditos a juros baixos para uma concessionária para executar as obras previstas em contrato num prazo de seis anos. O dinheiro do BNDES é do contribuinte que vai quitar o empréstimo da empresa pagando as tarifas de pedágio toda vez que for trabalhar entre uma cidade e outra, ou ainda dentro da própria cidade.

No Paraná, já foram leiloados quatro lotes dos 3,3 mil quilômetros de estradas a serem pedagiadas. Os resultados estão aquém do esperado, principalmente no ponto central: a redução das tarifas. Os descontos, conforme o martelo batido na Bolsa de Valores de São Paulo, são mínimos. Este sistema de cobrança também está previsto no leilão do Lote 4 das concessões marcado para maio no Bolsa de Valores de São Paulo e os seus 627,52 quilômetros cruzam cidades conurbadas como Paranavaí, Londrina, Maringá e Campo Mourão. Os prazos para instalação dos free flow, conforme o contrato do Lote, são de três anos para estudos e cinco anos para a implantação do pedágio eletrônico

Nós já vimos esse filme do pedágio e a nova versão parece ser tão pior quanto a primeira. Os paranaenses têm uma lembrança amarga das estradas pedagiadas entre 1997 e 2021. As tarifas eram extorsivas e o pior: a maioria das obras previstas em contratos vergonhosos sequer foi entregue. Não podemos viver num mundo marcado pelo avanço da ganância e do lucro fácil sem qualquer mensura.

Na Assembleia Legislativa, vamos convocar nas próximas semanas uma audiência pública pela Frente Municipalista e a Comissão de Obras para cobrar uma posição da ANTT sobre esta nova modalidade de cobrança do pedágio free flow no Paraná que, se instalada, pode comprometer a economia das cidades e do país.

Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado e líder do PSD na Assembleia Legislativa.

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