Assessoria
O público assíduo das salas de teatro orienta-se pelas etiquetas convencionadas secularmente: não se conversa, não se come, tampouco se bebe nesse espaço sagrado, ainda que os patronos da casa, Baco ou Dionísio, sejam muito mais que afeitos ao vinho. A bem da verdade, o espaço do teatro, vez ou outra, acolhe outras linguagens artísticas, sendo a música uma delas. Apesar disso, as normas de comportamento não costumam se alternar substancialmente.
Quem conhece o Fejacan sabe que o evento tradicionalmente ocorre no Cineteatro Iguaçu e as regras do jogo não precisam ser ditas. De igual modo, os que apreciam esse bom festival também sabem que as canções, em grande parte, são contemplativas e experimentais e o conforto da poltrona garante a boa fruição. Ocorre que, nesta edição, a coisa estava diferente. Os que lá estiveram perceberam uma atmosfera mais festiva, talvez em razão da atração principal, o sambista Dudu Nobre, que levou a rapaziada do samba de Jacarezinho para esse rolê.
A certa altura da noite, antes da hora grande, as apresentações dos músicos – todos muito bons, frisa-se – deram-se por encerradas e a cerimonialista anunciou o intervalo de quinze minutos. Um grande zum zum zum foi ouvido nas imediações da bomboniere do teatro, que já havia se transformado em uma birosca de respeito. Quem passou por lá não deixou de levar, mesmo com algum acanhamento, um biricutico de cevada para dentro. A festa estava armada.
A abertura do show foi embalada ao som da avamunha – ritmo africano executado pelos ogãs no início dos xirês dos Candomblés. A essa altura, Exu, Orixá da comunicação, do caminho e das festas, já brincava e subvertia as regras da casa. Tal foi a energia que, enquanto o sambista apreciava um bom vinho no palco do compadre Baco antes de tirar a primeira cantiga, a plateia, com uma lata na mão, deixava seus assentos para deixar o corpo e a voz cantarem por si. Uma orientadora da equipe de segurança bem que tentou conter a turma de se aproximar do artista. Foi em vão. Ela logo entendeu que a festa era do povo do samba – e do Povo da Rua, claro.
Quem foi, viu Dudu, o Nobre, com um repertório memorável e um show impecável. Considero acertada a escolha do sambista para esta edição do Festival. Foi a primeira vez, em muito tempo, que vi a comunidade negra ocupando efetivamente esse espaço na cena musical do município. O samba, no Fejacan, veio para mostrar que a única etiqueta para se apreciar um festival é a alegria. Baco (ou Dionísio) brindou Exu, que mostrou que no Teatro Iguaçu cabe todo mundo. Os deuses se entendem.
James Rios
Carnavalesco / Acadêmicos Capiau
Doutorando em Literatura (UEL)