Diretor da Tribuna do Vale deixa legado de coragem e compromisso com a região

Da Redação
“Bom dia, Dinho, bom dia você que está ligado na Vale”. O autor do icônico jargão que ecoou diariamente na Rádio do Vale do Sol é o mesmo que teve o nome estampado na capa da Tribuna do Vale em 4,9 mil edições impressas como diretor responsável: Benedito Francisquini, que há um mês perdia a luta contra uma infecção generalizada que o levou à morte.
Pioneiro no jornalismo do Norte Pioneiro e ícone do segmento, Francisquini morreu em 10 de outubro, aos 65 anos de idade, depois de alguns dias internado com um quadro de insuficiência cardíaca e respiratória causados por uma infecção generalizada.
A notícia da morte repercutiu em toda imprensa do Paraná. Jornais de grande circulação, rádios, sites e páginas noticiaram a despedida de um dos mais representativos nomes em atividade do jornalismo impresso do Estado.
Mesclando a formação em jornalismo com o empreendedorismo na fundação da Tribuna do Vale, em 1995, Benedito Francisquini se tornou figura das mais relevantes do Norte Pioneiro. Seja pela atuação destemida e, consequentemente, influente do jornal, seja pela voz grave e marcante lendo as manchetes do dia todas as manhãs na Rádio Vale do Sol.
Embora tenha vencido um câncer e a partida precoce do filho mais velho, as marcas deixadas por essas batalhas associadas com a idade e novos problemas de saúde acabaram por se tornar uma briga desigual. Assim, há um mês, depois de alguns dias internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Regional do Norte Pioneiro, em Santo Antônio da Platina, falecia Benedito Francisquini.
TRAJETÓRIA

O menino nascido e criado na zona rural de Cambará chegou a ir para o seminário para ser padre e acabou passando no vestibular de medicina na UEL (Universidade Estadual de Londrina). Quis o destino (e o próprio Francisquini), porém, que nem a batina e muito menos o jaleco se tornassem o futuro de um dos 11 filhos de seu Antônio e dona Marciana.
A verdadeira paixão de Benedito Francisquini seria descoberta nos tempos de universidade, mas longe de quem se tornou “doutor”: o jornalismo, impulsionado – e muito – pelo contexto social e político brasileiro da época da ditadura militar.
O Norte Pioneiro deixou de ganhar um padre ou médico, mas ganhou alguém que se provou infinitamente mais útil do que mais um nome entre tantos na religião ou na medicina, por ser um personagem da história regional que teria destaque único e pioneiro no exercício do jornalismo, encampando causas da região durante absolutamente toda sua trajetória.
E há de se convir, para quem conheceu Benedito Francisquini, que não dá para imaginar uma atuação sua como padre ou como médico. Nem como qualquer outra ocupação que não fosse o jornalismo.
O talento nato era para contar histórias. Mais que isso, contudo, sabia ouvi-las. Principalmente daqueles que não tinham mais a quem recorrer que não fosse a imprensa. Teve excelência em dar voz a quem não era ouvido e se fazer ver quem não era visto.
Assim, aquele jovem que saiu de Cambará em busca dos estudos em nível superior voltou à região como jornalista diplomado. As primeiras atuações na área foram como assessor de imprensa em cooperativas de produtores rurais. O texto refinado e o talento nato no que diz respeito à comunicação não demoraram a chamar a atenção de grandes meios de comunicação do Paraná.
Ainda nos anos 80 Francisquini passa a trabalhar para o jornal Folha de Londrina, na sucursal do Norte Pioneiro, tendo ainda atuado no Estado do Paraná e na Gazeta do Povo, neste mesmo formato, mas acumulando a função também de uma espécie de gerente regional.
A cobertura de invasões de fazendas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Ribeirão do Pinhal dá destaque nacional a Benedito Francisquini, que durante toda a vida fez questão de contar com riqueza de detalhes como foi presenciar aquele momento.
Em 1995 uma antiga ideia de Francisquini é executada: dar ao Norte Pioneiro um jornal de abrangência regional com força de circulação e linha editorial destemida. Nascia então a Tribuna do Vale.
Primeiro com periodicidade mensal, depois quinzenal, passando para semanal até chegar ao formato diário, sendo o primeiro impresso da região a circular diariamente. Polêmicas e inimizades não foram poucas. Mas menos e menores que os benefícios de ter um meio de comunicação forte em prol do desenvolvimento da região.
Um jornal que sempre abraçou a causa do Norte Pioneiro, que combateu injustiças e desafiou políticos e poderosos. Um jornal que fez com que as demandas e desafios da região fossem repercutidas em âmbito estadual. Um jornal que cobrou e criticou sem o menor pudor, mas não pelo simples gosto pela polêmica, e sim na busca de justiça social e soluções para a comunidade.
Quase 5 mil exemplares impressos em 28 anos de circulação ininterrupta. Dados que fazem da Tribuna do Vale um dos principais jornais do interior do Paraná. Dados que orgulhavam Francisquini. Dados que garantem que o jornal siga levando a você, leitor, o que de mais importante acontece no Norte Pioneiro. Dados que garantem que a Tribuna do Vale não seja apenas mais um jornal, mas o legado de uma vida dedicada à notícia. E não uma vida qualquer: a vida de Benedito Francisquini.
AMIGOS
Mas por trás do jornalista e da figura pública havia um ser humano. E com inúmeras qualidades destacadas por aqueles que o conheceram. Nesse aspecto, poucos podem descrever tão bem Benedito Francisquini como o fotógrafo Antônio de Picolli.
“Conheci o Francisquini quando eu tinha 13 anos, em 1989, quando comecei a trabalhar de entregador na sucursal da Folha de Londrina”, relembra. “Depois ele me levou para O Estado e também para a Gazeta do Povo. Aí ele começou com a Tribuna e logo me convidou para trabalhar, e entre idas e vindas, estou aqui até hoje”.
Porém mais que o contato profissional, Antônio pode conhecer como poucos a pessoa. “Claro que tivemos desentendimentos em todos esses anos, mas o Francisquini tinha um coração muito grande, era uma pessoa maravilhosa. Tinha defeitos como qualquer um, mas nunca se negou a ajudar alguém que chegasse pedindo ajuda”, conta o fotógrafo.
Além de Antônio, outra figura muito conhecida para aqueles que convivem de alguma forma com a Tribuna do Vale é Priscila Simões, braço direito de Francisquini nos últimos anos em tudo que diz respeito ao jornal.
Nos momentos de maior crise da empresa, Priscila se manteve fiel não ao patrão, mas ao amigo Benedito Francisquini. As crises foram superadas. A saudade, infelizmente, não será. “Mais que um patrão, um amigo, contador de histórias, noveleiro e amante de flores. Depois de 14 anos convivendo com ele, é difícil enumerar tudo que aprendi. Um jornalista de alma, sua sensibilidade tocava o coração de quem lia seus textos, cada vírgula, cada parágrafo trazia uma dose de emoção. Além de ser um excelente profissional, a solidariedade, a fé e o amor por viver o dominava”, conta.
“Apesar dos atritos que existiam, e eram muitos, o coração bondoso sempre prevalecia. Amava ajudar o próximo, jamais falava não quando alguém vinha ao seu encontro pedindo por ajuda, não importava quem era, muitas vezes passava por cima das suas necessidades pessoais para ajudar os de fora. Não existe palavras para descrever tudo que passamos e superamos nesses anos. Sempre surpreendendo com a certeza de que tudo iria ficar bem. Insubstituível como profissional e como pessoa”, continua Priscila.
A jornalista Gladys Santoro começou a trabalhar na Tribuna do Vale em 2005, permanecendo por 13 anos e acompanhando a transformação do jornal em diário. “No começo, o Francisquini me assustava. Aquele vozeirão que dá a até eco, parecendo que sempre estava brigando. Demorou um pouco pra eu perceber que aquele era o jeito dele estando bravo ou feliz. Convivemos diariamente por 13 anos seguidos. Era um sonhador, apaixonado pela vida e pelo jornalismo”, pontua.
“Posso dizer que aprendi muito com ele, não apenas no jornalismo, mas na vida. Aprendi a ter esperança, a acreditar que as coisas um dia vão melhorar, a ter paciência, mais do que tudo. Francisquini foi um mestre na vida e na profissão, jamais será esquecido”, elogia a jornalista.
Quem também pode falar com propriedade da pessoa além da figura pública é o jornalista Homero Pavan, que conheceu Francisquini ainda entre os anos 70 e 80. O contato profissional evoluiu para uma amizade sólida que durou as décadas seguintes.
“O primeiro encontro que tive com o Dito Chico foi na Cofenorpa (cooperativa jacarezinhense, já extinta), no final dos anos 70 início dos 80. Depois nos reencontramos na Coopramil, duas cooperativas nas quais ele era assessor de imprensa. A amizade mesmo começou em 1997, quando eu, assessor de imprensa da Prefeitura de Jacarezinho e ele dono da Tribuna do Vale, passamos a conviver por motivos profissionais. Como bom sagitariano que sou, em pouco tempo nos tornamos os maiores amigos de todos os tempos, quase irmãos mesmo”, ri Pavan.
A característica mais marcante de Benedito Francisquini, na opinião de Pavan, era a coragem. “Quando se via na razão, ele não baixava a cabeça pra ninguém, fosse prefeito, deputado, juiz, promotor ou quem quer que fosse. Era um valente”, exalta.