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Politicamente exposta, pessoa? Por Marli Gonçalves

By Marli Gonçalves

Pessoa exposta politicamente, politicamente sensível? Pronto, era o que faltava criarem uma categoria a mais para ser privilegiada, uma casta superior de milhares de pessoas que poderiam, assim, tudo, inclusive obrigar bancos a sem resistências lhes conceder empréstimos; fora acessarem vagas de trabalho em órgãos públicos, seja como for. E ainda querem ser protegidos de críticas!

Politicamente exposta, pessoa?

Politicamente sensíveis e expostos – e à flor da pele – ficamos nós com tanta sacanagem sendo produzida lá no Congresso, na calada da noite e votada com desnecessária pressa e cabulosa urgência, ao som da lira. No mínimo combina, e não por menos arrumaram até uma sigla esquisita para tornar esse Projeto de Lei, na verdade um gigantesco insulto às leis, mais palatável e oculto: PEP. Mas não haverá para nós nenhum comprimido de PrEP (profilaxia pré-exposição) que permita ao nosso organismo se preparar contra mais essa infecção vinda da preocupante política nacional, no caso, o Legislativo. Quando achávamos que uma legislatura dificilmente poderia piorar, esta atual está mesmo surpreendente.

Mas como a contaminação parece geral nos Poderes, um surto, precisaremos ainda ficar muito atentos ao Senado Federal, onde essa loucura e ataque ao bom senso ainda poderá ser detida.

Se você, acaso, perdeu essa, vou tentar resumir. A deputada Dani Cunha (União Brasil – RJ), filhote do cassado e execrado Eduardo Cunha, ex-tudo, ex-deputado e ex-presidente da Câmara, apresentou no último 22 de maio, vejam só, essa indecorosa proposta, e que foi aprovada agora na Câmara, em regime de urgência, sem ter passado por nenhuma comissão, em duas horas, entre o início da discussão e a conclusão do mérito. Tanta coisa importante na fila durante anos e eles sentados em cima.

O relator da proposta, deputado Claudio Cajado (PP-BA), muito bonzinho, até tirou dali do texto umas lascas, para fazer parecer que a coisa era séria. Não está na versão aprovada pelo plenário o artigo que – acredite – punia com pena de dois a quatro anos e multa “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor“. Ou seja, eu não poderia criticá-los como faço agora– poderia pegar uma cana. Ainda bem que o pensamento ainda é livre.

Nada impede o que ficou de ser uma barbaridade. De acordo com o tal projeto, que recebeu 252 votos, com apoio de 80% do PT, entre outros santinhos, do total de 513 deputados, quem “discriminar” as pessoas politicamente expostas e seus apêndices pode até ser preso por um período que varia de dois a quatro anos. Definem como discriminação a recusa dos bancos ou instituições financeiras em abrir contas para as tais pessoas politicamente expostas, políticos denunciados ou condenados em primeira e segunda instância cujos processos não tenham transitado em julgado. E suas gerações.

Ah, você quer saber quem são todas essas sensíveis pessoas? Além de sócios dos próprios, a tal lei define: políticos de todas as esferas, ministros do Poder Judiciário, nomeados para cargos comissionados, procurador-geral da República, integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), entre outros, veja bem. O projeto também alcança pessoas jurídicas das quais participam pessoas politicamente expostas, além de familiares e “estreitos colaboradores”. Ou seja, os sócios, familiares, os parentes, na linha direta, até o segundo grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada. Nove mil pessoas mais milhares de agregados, conforme os cálculos.

Uma ode à corrupção, à lavagem de dinheiro, aos laranjas, ao descontrole geral. Já viram bancos serem presos? E pagarem multas? Em caso de negativa ao grupo de belezinhas, as instituições financeiras deverão, em cinco dias úteis, enviar um documento ao solicitante do serviço explicando os motivos de ter negado o pedido de abertura e manutenção de conta ou concessão de crédito, sob pena de multa diária de R$ 10 mil e pena de 2 a 4 anos. Já pensaram no texto desta cartinha? “Você foi vetado porque é _________________. Aguardamos ser presos. Atenciosamente”.

Nunca imaginei que um dia sairia em defesa de bancos. Até nisso a política nacional inova.

Você aí, que não é politicamente sensível, só mais um brasileiro exposto à realidade, já deve ter precisado pedir algo, como um empréstimo. Nem me diga. Faltou baixar as calças para conseguir? Montanha de documentos e avais, pesquisas de seu nome até no fundo do poço, escarafuncham sua existência. Se não paga hipotecam sua alma. Às vezes nem resposta recebe.

Ah, amigo, amiga, vai ser político na vida!

marli -

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

___foto: @catherinekrulik__

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