Por Paulo César Régis de Souza (*)
Há 99 anos foi criado o Regime Geral de Previdência Social, RGPS, com outro nome, na lei Eloy Chaves. Em 24 de janeiro de 2023, fará cem anos. De lá pra cá, cinco gerações de brasileiros (cerca de 80 milhões de pessoas) do setor privado urbano e rural tiveram aposentadorias e pensões pelo RGPS, inicialmente através de montepios caixas, depois pelos institutos por categorias profissionais, criados na década de 40 do século passado, depois na década de 90, com a unificação dos institutos, através do INPS, hoje INSS. Em janeiro próximo, o RGPS fará 100 anos, isto se o governo não matar antes.
Os servidores do Estado sempre tiveram previdência, Dom Joao VI criou a Previdência dos professores em 1809, através do Tesouro, com contribuições e benefícios administrados pela União. Durante um período curto, na época dos institutos, o IPASE ficou com a Previdência dos servidores, sendo que com a criação do SINPAS voltaram para a União, através de uma unidade de pessoal do Ministério do Planejamento, que ganhou atribuições para administrar toda a política de pessoal, mais tarde recursos humanos e hoje gestão de pessoas. Mais tarde foi criado o Regime Próprio de Previdência Social, o RPPS, dos Servidores do Estado, incluindo civis e militares.
Em 1971, em nome do suposto pagamento de uma dívida social, foi instituído o Funrural, fundo dos Trabalhadores Rurais, com a aposentadoria rural, mas com financiamento reduzido de patrões e trabalhadores. Muitas vezes, um papelucho de um sindicato rural confirmava que o cidadão pegou numa enxada e, mediante essa comprovação habilitou-se a uma aposentadoria sem ter contribuído com um centavo.
Até 1992, o INSS instituiu benefícios assistenciais, através de uma Diretoria de Bem Estar, com auxílio ao Idoso e ao Incapacitado ou sem renda mínima e os trabalhadores urbanos financiavam o benefício. Só em 1994 é que foi aprovada a Lei Orgânica de Assistência Social, LOAS, que transferiu o pagamento dos benefícios assistenciais para o orçamento fiscal, através do o BPC, Benefício de Prestação de Continuada para idosos e sem renda mínima. Mas sobrou para o INSS receber, processar, conceder e manter o benefício assistencial, sem contrapartida.
Em resumo os trabalhadores urbanos, nestes cem anos, não puderam ter uma aposentadoria digna, correspondendo ao mínimo de 70% do que ganhavam na ativa, pois tiveram que financiar os rurais (sempre) e os benefícios assistenciais! (até 1994).
Enquanto no RGPS, as receitas foram maiores que as despesas, o dinheiro que sobrava serviu para financiar a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, a Fábrica Nacional de Motores, em Xerém, a Vale do Rio Doce, em Belo Horizonte, a construção de hospitais e postos de assistência medica, conjuntos habitacionais, em quase ase todos os estados, a operar o SAMDU , o SAPS, a construção de Brasília, as rodovias Rio Brasília, Belém Brasília, e Transamazônica e até, na década 70, Itaipu.
Quando o dinheiro começou a faltar, proclamaram que a Previdência não sabia administrar suas receitas e despesas. Por isso, acabaram com o Orçamento Fiscal e de Seguridade Social, incorporando o da Seguridade Social. ao Fiscal. Isto, com INSS e seus fiscais cobrando com veemência quem não pagava, fraudava, desviava, fosse púbico ou privado. O INSS com a dação em pagamento implantou a maior imobiliária do país. Apareceu o déficit, colocaram o déficit no PIB, reduziram o valor dos benefícios, aprovaram os Refis para os caloteiros que não pagavam, parcelando em cinco, anos, depois 10, depois 20, hoje em 30 anos, favorecendo o crime organizado. Mais tarde inventaram a substituição. A União pagava a desoneração a o INSS, mas Paulo Guedes acabou, ampliando assim o déficit do INSS.
O passo seguinte foi levar os recursos e os fiscais do INSS para a Receita Federal e os Procuradores para a AGU, para que o INSS não cobrasse de ninguém e mais ainda fecharam as portas da Receita Previdenciária, transferiram a dívida contributiva para Receita Federal e a dívida ativa para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Cortaram o gás do INSS. Não custa lembrar que a contribuição previdenciária não é imposto. Se fosse teria que ser repartido com estados e municípios. O mais negativo, levaram junto a sonegação de 30% e inventaram REFIS. O parcelamento de dívida passou de cinco para até 30 anos!
Nos últimos tempos, o cerco ao INSS apertou com a proibição de fazer concurso para repor pessoal, redução abrupta a verba de custeio administrativo, implodiram o projeto de uma agência do INSS em municípios com mais de 20 mil habitantes, reduziram o valor das gratificações dos servidores, cortaram conquistas e incentivos.
No atual governo o INSS regrediu 50 anos ou mais, começou acabando com o Ministério da Previdência Social criado em 1974, jogando a Previdência de qualquer jeito dentro do Ministério e da Economia, sendo o INSS o segundo maior orçamento da República, administrando uma clientela de 50/60 milhões de contribuintes e 30 milhões de aposentados e pensionistas privados, 9 milhões de rurais, 6 milhões de benefícios assistenciais, além de ser a maior seguradora da América Latina e o maior programa de redistribuição de renda da República. Foi reduzido a uma repartição de segunda linha, pois foi retirado do INSS o poder de saber quanto arrecadava e quanto pagava.
Foram tantas as práticas desonestas lançadas contra o INSS que até 4 mil militares foram contratados para conceder benefícios (sic), e excluíram a Perícia Médica do INSS, na teoria, pois os Peritos estão no INSS e com 100% dos servidores.
Pioneiro em digitalização, pois o INSS começou com a automação na concessão e gestão de benefícios, e arrecadação criando a DATAPREV em 1974 e desde então administrava através de Programas específicos a receita e despesa. Como autarquia, tinha o controle de suas contas e sabia quem devia e quem fraudava. Numa revisão de benefícios rurais, em 1992, foram expurgados 4 milhões de benefícios por fraude, o INSS inovou em todo o processo de digitalização, com sistemas próprios que, excluem cerca de 400/50mil benefícios/mês, concedendo 400/600 mil benefícios mês.
Agora, o sinistro apareceu, quando o decreto transferiu ao INSS a administração da previdência dos servidores, misturando o privado em que o INSS tem expertise universal e incorporando a gestão do RPPS do Estado.
Não se sabe até onde vai parar o ideário dos que estão rasgando e revogando e fazendo picadinho de papel com a Lei Eloy Chaves.
A Previdência é ciência respeitada e acreditada por mais de uma centena de nações, não é uma variante de TI, que lida com números, gráficos, tabelas, mas uma ciência que lida com seres humanos, sonhos e esperanças. No Brasil caiu nas mãos do negacionismo, que corre atrás de uma missão inglória, anulando tudo que seja correto e cientifico. A impressão que se tem é o que o negacionismo quer implodir o RGPS e o INSS, implantar a Previdência do APP (com aplicativo e sem servidores), a capitalização com a contribuição dos trabalhadores, trágica experiência que deixou o Chile mais pobre e mais infeliz. Isto não é em nome da cidadania, mas de um mercado que tem o lado sé ;rio, mas que no Brasil agrupa a santa aliança de empresários corruptos, políticos ignorantes e investidores de capitais em “off shore”. Para sonegar impostos e ganhar mais, Deus que está acima de tudo sabe disso.
(*) Paulo César Régis de Sousa é vice-presidente Executivo da Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdência e da Seguridade Social-ANASPS.