
Ensaio este artigo desde o mês de setembro – ocasião em que tive a oportunidade de participar do Encontro dos Gestores de Cultura do Interior do Paraná, na cidade de Maringá. De lá para cá, uma intensa agenda cultural, repleta de eventos e outros fluxos administrativos relativos ao trabalho no Departamento, impediu-me de realizar o que hoje, quase no apagar das luzes deste 2025, faço com toda honestidade e, por que não dizer, com alguma necessidade.
A bem da verdade, a motivação para este artigo emerge da observação, naquele Encontro, dos movimentos dos próprios gestores culturais, os quais, cada um a seu modo, expuseram – no ambiente que nos era propício – suas realidades culturais: as potencialidades e desafios de seus municípios, bem como as necessidades de seus agentes de cultura, ditavam o tom dos discursos quando discutíamos políticas culturais para o interior do Estado. O que me chamou atenção foi o tom afetivo e pessoal que permeava as falas de muitos colegas de trabalho.
Músicos, artistas plásticos, artesãos, mestres da cultura popular foram, em grande quantidade, citados por seus respectivos representantes com muito carinho. Os equipamentos culturais – inexistentes em muitas cidades desse extenso Estado, é preciso frisar – não passaram incólumes à lembrança daqueles que urgiam por políticas que visassem seus restauros ou reformas. Há, indiscutivelmente, muito amor entre os que dirigem a cultura neste Paraná.
Esses contornos afetivos, tão presentes nas falas dos gestores culturais, instigaram-me a uma reflexão mais aprofundada sobre a cultura local — aqui compreendida sob uma perspectiva sociológica, tal como empregamos no campo da pesquisa acadêmica, ao abordar os processos e dinâmicas que permeiam a gestão cultural. Trata-se, portanto, de pensar a cultura não apenas como expressão artística ou manifestação espontânea, mas como um fenômeno social estruturado, atravessado por políticas públicas, relações institucionais e práticas de pertencimento que configuram o tecido simbólico da cidade.
Dito isso, é preciso reconhecer que, sob a ótica cultural, Jacarezinho se apresenta como um território cuja riqueza e vitalidade transcendem largamente as percepções superficiais do senso comum. Um Salão de Artes que chegará, no próximo ano, à sua 40ª edição, bem como as diversas edições do Fejacan, endossam a malha artística no âmbito das artes visuais e da música. A esses eventos, somam-se, no campo das artes cênicas, o próprio EnCena e as montagens realizadas no CAT. Não obstante, não nos esqueçamos do Desfile das Escolas de Samba, da Marcha LGBTQIAPN+, tampouco das manifestações populares, como as festas dos terreiros de Umbanda e Candomblé assentadas nas periferias.
Na esteira das representações individuais, Jacarezinho é cidade cujo nome foi projetado, nacional e internacionalmente, pelos arranjos de Maestro Paulinho e pelas cordas de Romano Nunes, nosso querido Cabelo. Recentemente, Rogério Dias — artista plástico jacarezinhensede reconhecimento mundial — esteve entre nós e, por sua vida e obra, não nos permitiu esquecer a força dos pincéis de Donizetti e Avany Rocha, bem como a potência escultural manifesta nas obras de Quincaju, de Joãozinho Caldeira e de seus discípulos declarados, Jucelino Biagini e Nelson Madureira.
Nossa cidade também se revela em seus patrimônios culturais, materiais e imateriais: das edificações das Estações Ferroviárias ao templo catedrático que abriga os murais de Eugênio Sigaud — todos tombados pela Coordenação de Patrimônio Histórico do Paraná. Na gastronomia popular — da pachola ao pastel da feira em dia de domingo — e no artesanato que floresce com vigor, Jacarezinho ainda tem muito a desvelar a partir das memórias dos povos negros, indígenas, LGBT, cujas trajetórias a memória oficial tratou de encobrir sob o véu do silêncio e relegar ao anonimato.
Não é exagero afirmar que Jacarezinho ostenta um peso cultural que transcende fronteiras municipais, projetando-se como referência para o Estado e, em muitos aspectos, para o país. Tal densidade simbólica impõe à gestão pública uma responsabilidade que vai muito além da administração cotidiana: trata-se de zelar por um patrimônio vivo, cuja preservação e valorização exigem ações concretas e políticas inovadoras. Entre os desafios que se apresentam, destaca-se a necessidade urgente de recuperação dos bens patrimoniais — das estações ferroviárias aos murais de Sigaud —, bem como a reorganização de políticas públicas que, por vezes, revelam-se obsoletas diante das demandas contemporâneas. Conduzir a gestão cultural de Jacarezinho é, sem sombra de dúvida, assumir o compromisso de honrar o peso de uma história que vale tanto quanto pesa, e de projetar novos horizontes para as gerações vindouras.
Jacarezinho é, sem sombra de dúvida, a cidade preta da Mãe Carmem de Xangô, do Pato Benzedor, da força ancestral que pulsa nos terreiros e nas ruas. É a cidade de Adelvane Neia, atriz cuja arte ecoa Brasil afora; da Banda Jair Supercap, dos Possetti Boys, das bandas de rock, do samba, do maracatu. É a cidade de Belonzi, do Miss Gay Paraná, dos palcos que acolhem múltiplas as vozes e corpos, dos encontros que celebram a diversidade e a potência criativa de seu povo.
Jacarezinho é território de memória, de luta e de reinvenção cotidiana. É cidade que se equivale à grandeza do seu peso — não mensurado apenas pelos feitos do passado, mas, sobretudo, pela capacidade de projetar novos horizontes no fazer de cada agente cultural em nosso dia a dia.
Dr. James Rios
Diretor Geral do Departamento de Cultura
Sobre o autor: James Rios possui graduação (UENP), mestrado(UEM) e doutorado (UEL) em Estudos Literários. É carnavalesco, percussionista e produtor cultural. Atualmente, é membro titular do Conselho de Cultura do Estado do Paraná, representando os municípios da macrorregião Nordeste.



